Vale do Loire de bicicleta - dia 01 de 05

Uma das coisas que sempre admiramos quando perambulamos de carro pelo interior da Europa, são as pessoas viajando em bicicletas. Não somos ciclistas, embora tenhamos amigos e parentes que amam e vivem de bicicleta. Mas tal admiração por eles, tem embutido em nós um certo recalque, talvez por eles experimentarem uma liberdade que somente uma bicicletada traz.

Neste ano, em 2017, ao passarmos uma temporada na Europa, com direito a 5 semanas em Paris, resolvemos aproveitar o verão europeu e nos aventurarmos entre a paixão, o idealismo, a aventura ingênua e a superação de nós mesmos, descobrindo uma França mais natural, silenciosa, ao mesmo tempo histórica.

Depois da disposição em viver esta aventura, era preciso definir um trajeto. Em 2011, estivemos por 3 dias na região do Vale do Loire, visitando castelos. Na época, ficamos encantados com a mistura entre as belezas naturais – e o rio Loire tá com tudo neste critério – e as cidades, vilas e castelos desta região.

Pesquisando, descobrirmos que as margens do rio Loire – o rio mais extenso da França – possuem um projeto chamado Loire à Velo. Por centenas de quilômetros foram feitos trechos de ciclovias criando um roteiro fantástico.

Então começamos a pesquisar mais e a tomar uma série de decisões: partir de onde e ir até onde? Quantos quilômetros aguentaríamos no total? E por dia? Quanto custaria isto? Como fazer com Joaquim? Onde dormiríamos?

Decidimos fazer o trecho de Orleáns a Tours, com cerca de 130 km. Aguentamos tudo isto? Logo nós, humildes sedentários? E em quantos dias?

O tempo que pensamos em dispor pra esta aventura seria de 5 dias. Daria pra fazer uns 25 a 30 km por dia, algo que conversando aqui e acolá nos pareceu não ser tão pesado.
Passamos semanas planejando a viagem. Dividimos o trecho em tantos dias quanto teríamos, tendo assim uma média de perscurso diário. A partir disto, passamos a buscar hospedagens, mais ou menos nestes locais. Em viagens como esta preferimos nos hospedar em Chambres d’Hote, tipo de Bed& Breakfast (casas de pessoas que têm dois ou três quartos preparados para hospedagem como um pousada com café da manhã), geralmente em lugares mais afastados em zonas rurais e vilarejos. Assim, tentamos encontrar alguns que atendessem nossas necessidades de disponibilidade de dias, itinerário, distância e preço! Existem sites específicos deste tipo de hospedagem regulamentada pelo governo. Em geral, são espaços em casa familiares, muitas antigas, cujos donos curtem a arte de receber, e oferecem café da manhã incluso no preço – algo não frequente na França.
Bem, foram semanas de estudo de opções. Aos poucos estabelecemos nosso roteiro considerando ainda a necessidade de pagarmos com cartão de crédito = algo raro em chambres d`hote. Percebemos que alguns tem mantido também um perfil no Airbnb - onde podemos pagar por cartão, postergar a despesa e até parcelar em 3 vezes.

Assim, surgiu nosso roteiro do Loire a velo.

Hoje foi o primeiro dia. E a vitória foi nossa! Um a zero pra nós! E não faltaram pequenos e médios contratempos desde cedo.

Saindo de Paris
Já havíamos comprado as passagens de trem de Paris a Orleans há alguns dias. Levamos em conta pra decidir o horário, os preços de passagem que são variados, assim como funciona com avião. Mas sabíamos que deveríamos chegar cedo pra cumprir um pedaço do trecho que ainda nem havíamos planejado.

Nos enrolamos um pouco pra deixar o apartamento, e quando finalmente dentro do metrô deu um certo gelo: será que conseguiremos chegar em tempo?? Por fim, o tempo deu certinho, tudo bem ajustadinho... Aff.... Daí já neste primeiro momento descobrimos algo que seria permanente nesta aventura: bagagem demais!

Como não somos praticantes de ciclismo, não temos roupas específicas, leves e compactas, de lavagem/secagem rápida em trajeto. São roupas normais e não temos certas manhas pra otimizar a bagagem. Mas, enfim, tudo bem! Estamos numa aventura!!!

Na Gare de Austerlitz encontramos a plataforma e nosso trem. Localizamos nosso vagão (era um dos primeiros, portanto, um dos mais afastados na plataforma de embarque... e nós na corrida rsrsrs). Ao chegarmos em nossos assentos marcados, duas senhorinhas estavam lá. Perguntamos de seus assentos e elas responderam que já tinha alguém sentado lá, expressando bem claramente que ficariam ali. Daí, de repente, 3 ou 4 pessoas ao redor começaram a protestar e argumentar que os assentos eram nossos. Eba!! Rebu!!!
As tiazinhas saíram e nos apropriamos do lugar acomodando tooooda nossa bagagem de seis volumes.

A viagem é rápida, cerca de 1 hora. Chegamos ao meio-dia e meio, e todas as lojas de aluguel de bicicleta estariam fechadas pro almoço. Nos dias anteriores, tentamos contato com 4 estabelecimentos. Um só reabriria as 15h30, e achamos a comunicação meio confusa. Um não respondeu nada. Outro não tinha um sistema de devolução de bicicleta em Tours. E o outro era cerca de 6 km distante da estação de trem. Com este havíamos conseguido comunicação mais fácil, mas enviamos o pedido de reserva apenas à 1h40 da madrugada anterior.

Saímos da estação de trem e ainda não tínhamos certeza de onde alugar as bicicletas. O objetivo primeiro era ir ao um Office de Tourisme pra tentar ter mais informações da região. E o escritório ficava ao lado da Catedral de Orleans, no centro. Foi uma caminhadinha curta, aproveitando pra ver a cidade. Não encontramos um mapa em papel do caminho “Loire à Velo”, mas conseguimos alguns panfletos dos principais castelos da região.




Aproveitamos para visitar o interior da Catedral. Já havíamos passado pela região em 2011, numa viagem de carro de 3 dias. Ainda temos na memória alguns castelos principais, e Orleans foi também uma passadinha rápida naquele ano. A configuração interna da catedral é muito interessante, com seus múltiplos ambientes e áreas de circulação e com uma altura imensa.

Decidimos, por fim, pegar as bicicletas no lugar para onde havíamos enviado um e-mail de reserva. Olhando no mapa de papel, parecia a mesma distância do outro local que abriria somente às 15h30. Então tomamos rumo com toooda nossa bagagem e fomos por uma zona central principal com casas antigas. Resolvemos parar pra comer um kebab por ser algo rápido e barato. Já havíamos acompanhado os preços dos restaurantes ao longo do caminho, preços mais baratos que em Paris.
Fomos então andando, andando, andando, andando até chegar à tal loja. Surpresa! Era mais distante que achávamos e, por fim, chegamos lá pouco depois das 15h30. O rapaz (Franck) quando nos viu, deu uma bufadinha francesa e disse que estava nos esperando desde às 14h. Estava terminando de vender uma bicicleta e ficamos esperando cerca de 20 minutos até ele terminar com o cidadão e nos atender.
Indo alugar as bicicletas em Orleans

Ele já tinha em e-mail o que pedíamos, e começou a preparar as bicicletas e tal. Encurtando, até estarmos pronto pra sair de lá, já era 17h. Verão europeu, sol alto (havia ficado bem nublado quando chegamos em Orleans), não nos preocupamos com o escurecer. Ele perguntou se já tínahamos hospedagem e dissemos que era em Saint-Laurent Nouan – ao que ele fez uma cara e deu mais uma bufada. Disse que seria um bom trajeto até lá.

Havíamos combinado por e-mail de chegar às 18h30 na hospedagem. No site eles diziam pra avisar e que o horário de check-in era entre 17h e 19h. Pedimos ao Franck se ele poderia emprestar o telefone (por que apesar de termos comprado números franceses estávamos sem crédito –eita burrada) pra avisar a hospedeira que nos atrasaríamos. Ele mesmo falou com ela a nosso pedido, dizendo que estimava que chegaríamos por volta das 19h30.

Já saindo, deu um probleminha num dos pneus, de tão inflado. Mais uns minutinhos. Franck nos explicou de novo como acessar a ciclovia “Loire à velo”. Perguntamos se havia um local pra comprar água no caminho. Ele nos olhou admirado e perguntou: Vocês ainda não compraram água? Nos explicou um lugar longe e complexo. Por fim, disse que talvez teria um lugarzinho ali perto, mas que, devido ao verão, talvez estivesse fechado de férias. Decidimos que Aline iria sozinha de bicicleta até lá, pra ser mais ágil. Mais uns minutos e Aline chegou com água e comida. Enfim, tomamos caminho. Pedalamos uns metros. Pausa pra pegar os óculos de sol e boné, por que o sol resolveu aparecer. Pedala mais uns metros, outra pausa, pra certificar o caminho. Enfim, tomamos rumo, margeando o rio por Orleans. Um caminho muito agradável. Realmente, Orleans deveria ter ganhado ao menos um meio dia nesta viagem.

Tá, saímos ainda mais tarde que planejado. Cerca de 17h30 e tínhamos mais de 30 km pra vencer no dia. Ou seja, não chegaríamos até às 19h30.


Depois de percorrer o trecho inicial margeando o rio Loire através de Orleans, fomos nos afastando da cidade e cruzamos a linda ponte Europa, estaiada, branca, com vista admirável sobre o rio. Fomos seguindo indicações por plaquinhas ou impressões no chão da ciclovia ou indicações de “piste ciclable”. De Orleans até Meung-sur-Loire seguimos por asfalto, a maior parte vias exclusivas de bicicletas, mas algumas vezes partilhamos de ruas normais, sentindo muito respeito dos carros ao nos ultrapassarem – aliás, já percebíamos que desaceleravam antes de nos passarem.




Em Meung-sur-Loire, precisamos atravessar a ponte (também linda) e mudamos de margem. O caminho a seguir era de chão, tipo de terra batida, bem liso mas rústico. No meio do caminho, nos deparamos com algo raro. Parecia cena de algum filme. Percorrendo a estradinha no meio da floresta, começamos a ver pessoas e carros e umas construções. Gente de idades variadas, mesas ao ar livre, luzinhas dependuradas, um piano parcialmente enterrado no gramado, uma tenda de circo, o clima era de festa... são coisas que me lembro. A travessia por ali durou poucos segundos e a vontade de parar e descobrir aquele mundo fantástico permanecerá misterioso em nós.

Ao chegarmos em Beaugency, uma cidadezinha cheia de atrativos arquitetônicos, abordamos uma mulher e explicamos nossa situação, pedimos se ela poderia emprestar o celular. Ligamos pra nossa hospedeira para dizer onde estávamos e que chegaríamos atrasados. Evidente, né? Já eram quase 20h20 e ainda faltava uns 8 a 10 km.

Beaugency recebeu apenas um olhar triste, do tipo “melhor nem ver”. Mas nos pareceu interessante. Atravessamos a linda e longa ponte de pedra sobre o rio Loire com um sol de fim de tarde. Na pausa do telefone, revisamos o itinerário e vimos que seria preciso tomar uma estrada sem ciclovia, usada por carros. Sem acostamento, o lance era ir pelo cantinho. A certa altura, Aline viu que teria uma via secundária mais tranquila e que cortaria um pouquinho o caminho. Bora por lá! O dia já estava com seu resto de luz, horizonte corado, mas ainda claro.


Foi daí que, numa mudança de marcha, a correia de minha bicicleta escapou e travou. Pára tudo! Puxamos as bicis pra fora da via (nesta havia espaço ao lado, não acostamento). Tentamos resolver, mas precisaríamos de algo tipo uma chave de fenda pra desentravar a correia.

Aline fez sinal pra um carro que passava e ele parou. Um casal de ingleses com duas crianças pequenas. A dificuldade de comunicção foi enorme, mas conseguimos nos entender. Eles não tinham nada de metal que pudesse ajudar. Tentamos juntos, o pai e eu, mas estava claro que só mão não bastava. Eles ofereceram carona e tal, mas agradecemos e eles foram.

Decidimos ir andando mesmo. Pelos cálculos faltava pouco, máximo 4 ou 5 km. Aproveitei as descidas e com isso o percurso acelerava um pouco. Caímos em outra via mais movimentada, a noite já chegando. Aline deu uma acelerada e foi a frente vendo se encontraria alguém que pudesse ter alguma ferramenta, mas com a escuridão crescente, seria preciso ter luz para um exame da correia.
Decidimos que Aline iria pedalando na frente pra tentar localizar o Chambre d`hôte, pois já víamos sinais urbanos, estávamos perto.

Mais uns metros e vi Aline conversando com alguém num carro que logo se aproximou de nós, era Allan, o marido da anfitriã. Eles ficaram preocupados com nossa demora após o telefonema e ele estava vindo nos procurar... assim, sem nem nos conhecer, nem saber nossa cara, hábitos etc. Foi muito bom sentir este cuidado e atenção por parte deles. Allan foi na frente, guiando, e logo chegamos a "nossa" casinha querida.

Foram 38 km em cerca de 3h40. Chegamos já por volta de 21h30 e a noite já estava feita.

Allan conseguiu arrumar a correia com algumas ferramentas. Elisabeth nos recebeu super bem, nos mostrou casa, o quarto. Uma habitação antiga mas toda reformada. Quarto espaçoso, cama grande, chuveiro maravilhoso (Le Clos Elisa). Tomamos um bom banho e fomos fazer nosso lanche numa mesa no jardim da casa, apreciando a noite que não era quente, mas agradável e festiva para nós mortais.


Pra dormir feliz

O dia acabava. Ainda baixamos fotos e sorrimos felizes. Diversos pequenos contratempos mas conseguimos levar tudo com bom espírito e sabor de aventura e conquista.


O dia 1 findou. E nós vencemos o desafio.               

2 comentários:

  1. Nossa!!estou amando nossa viagem!!estou até cansada!!ufa?!que bom vou dormir,pra amanhã,continuar pedalando!!ahnnn, bjinhos

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  2. Oi Isma e Aline
    Saíram as 17h00 para começar a pedalada?
    Realmente faltou uma certa experiência na largada.
    Ainda bem que deu tudo certo.
    Abs

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