Vale do Loire de bicicleta - dia 05 de 05

A ideia hoje era acordar mais cedo que de costume, queríamos chegar cedo em nosso destino final. Mas exceto para mim, o sono rolava solto no quarto e Aline e Quim estavam dormindo muito bem. Acordar mais cedo, durante estes dias de pedalada, significa antes das 9h, pois apesar do cansaço depois de completarmos nossos quilômetros diários, temos ido dormir por volta da meia-noite, ou até depois. Finalmente acordamos todos e, à luz do dia, pudemos ver melhor pela varanda e pela janela do quarto a vila onde estamos. É um lugar super calmo, pequeno e pitoresco.


À noite fez calor, mas a manhã se revelou fresquinha e prometia um dia lindo. Nestes dias de pedalada, o clima tem sido ótimo. Superou nossas expectativas que não eram muito otimistas, visto o volume e peso extra que carregamos com blusas, casacos e capas de chuva, rsrsrs... Mas temos em nossa defesa que as semanas que antecederam este passeio estava um tempo bem feinho, com ondas de frio, chuvas eventuais, dias nublados ou de vento. Por isso adoramos ser surpreendidos, o clima não podia ter sido melhor!

A casa em que ficamos, de Marlene e Martin, é bem casa de família. Em geral, nos Chambres d’hôte em que já nos hospedamos, quem vive na casa são casais de mais idade, acreditamos que geralmente aposentados e com os filhos já crescidos e morando fora. Aqui eles vivem com um filho adolescente e uma filha de uns 9 anos talvez. Foi um pequeno diferencial, mas não mudou muita coisa, pois nossa estadia foi rápida. Marlene e Martin foram muito atenciosos e simpáticos conosco, batemos um bom papo sobre a região, sobre nossa viagem, sobre o Brasil. Martin também falou sobre a vila, como ela foi ponto estratégico durante a guerra, limite entre a zona livre e a zona ocupada pelos alemães e, por isso, ponto de articulação pra retomada do país.
Nosso quarto era o da esquina, com janela pra uma rua e varanda pra outra. Martin na foto.

Nos despedimos, e já saindo, Marlene lembrou de nossa sobra da janta: meia baguete e um pacotinho com três salsichas. Ontem, na saída de Chaumont, foi o que conseguimos comprar pra poder ter uma janta ao chegarmos em Chargé. Na verdade nós meio que  “esquecemos” as salsichas por que não queríamos mesmo levar. Mas tudo bem, "ensacola as salsichas!", rsss...

Eles nos orientaram sobre o caminho Loire à velo, e disseram que sim, teríamos que subir morros para continuar, e que o caminho do dia anterior também deveria ter sido morro a cima (perdemos a indicação das placas em algum momento, mas nosso erro resultou naquele mágico fim de tarde na margem do rio Loire, então está valendo!). Lá fomos nós, partimos às 10h30, o horário mais cedo comparado aos dias anteriores. Nossa preocupação com a hora pra chegar a Tours neste último dia de pedalada era porque tínhamos um intervalo bem apertado de tempo para devolver as bicicletas: entre 18h e 19h.

Já nos primeiros quilômetros encontramos o morrão. Passamos por uma mulher neste ponto, ela pedalava sozinha, puxando um remorque com DUAS crianças dentro. Uma guerreira que conseguiu seguir pedalando até mais do que eu, se espremendo nas pedaladas derradeiras.


A região é repleta de vinícolas e as plantações de uva ficam nestas partes mais elevadas, pequenos planaltos. Vimos muitas vinhas e numa delas pegamos uns cachos pra provar. Uvas pequenas, muito muuito suculentas. Como disse Joaquim: era suco de caixinha natural (olha a referência da criança...)


Em 5 km já estávamos em Amboise, onde fica um castelo lindo e o túmulo de Leonardo da Vinci. Já havíamos visitado em 2011, então optamos em visitar o Clos Lucé, o castelo onde Da Vinci viveu seus últimos anos. Além da residência, há um grande jardim e várias invenções de Da Vinci reproduzidas. Um lugar super bacana mas que bem podia ser mais barato: 15,50 euros por adulto e 11 euros pra Joaquim! Na bilheteria, antes de mim, vi a senhora atendendo uns alemães em alemão. Quando me atendeu, perguntei quais idiomas ela falava: francês, alemão, inglês, espanhol, húngaro - e estava começando a aprender português. E é vendedora de ingressos de castelo! Sabe a pessoa que parece feliz com o que faz?



Como gastamos pouco com visitas a castelos nestes dias, achamos que valeria o investimento. Fizemos um passeio maravilhoso dentro e fora do castelo. Com tempo, aproveitando o tempo, vivendo fora do tempo. O dia lindo ajudou muito e, sendo domingo, creio que tinha muitos franceses também aproveitando o dia. Joaquim viu no mapa dos jardins que tinha um parquinho e logicamente fomos para lá. Ele nem ficou muito tempo, mas foi fundamental ter ido.

Joaquim brincando com uma versão de helicóptero do Da Vinci

Reproduções de pinturas e desenhos de Da Vinci pelo jardim

Dentro dos jardins também encontramos três restaurantes e resolvemos sentar no mais lindo pra comer algo antes de seguir caminho. Os preços? Regulam com os de Paris, o que significa para nós escolher entre as opções mais modestas do cardápio. Ainda assim foi mágico sentar ali entre o roseiral, os guarda-sóis brancos, a atendente hiper simpática...

Um dos restaurantes...

Nosso restaurante rsrsrs

Uma omelete e acompanhada de cerveja artesanal "Leonard"

Assim como em Chaumont, pudemos deixar as bicicletas num estacionamento próprio já dentro da área do castelo e a bagagem em armários. Pensando bem, em outros castelos que já fomos sempre tem estes armários. Lembro que em Fontainebleau havia uns enormes.

Em Amboise ainda passamos por dentro da cidade, aos pés do castelo que fica no alto. Passamos pela rua central empurrando as bicicletas, pois ela é linda e valia a pena. Também estávamos procurando pelo Office de Tourisme, pra pegar um mapa da região. De Orleans a Tours, passamos por três departamentos (estados) diferentes e cada um dos Offices de Tourisme tem um mapa apenas de sua região. Ali aproveitamos pra encher nossas garrafas de água e descobrimos que até Tours ainda tínhamos 27 km pra percorrer. Eram 15h05. Bora pedalar!!

Aline e o castelo de Amboise

Uma passadinha pelo calçadão central de Amboise... lindo!


Andamos mais uns 7 km, e numa subidinha, nem tão pesada assim, meu pneu traseiro furou. Estávamos entrando numa vila que depois descobrimos se chamar Lussaut. Bem onde furou, haviam dois rapazes e uma moça saindo de casa de carro e perguntamos se eles sabiam onde arrumar pneu de bicicleta. Disseram que não havia na vila e nem deram muito papo. Entendemos que deles não viria ajuda. Decidimos que Aline iria pedalando na frente, procurando algum lugar ou alguém que pudesse ajudar. Apesar de termos um kit de reparação e uma bomba... como é que se faz isso? Nem desmontar o pneu a gente sabia. Fui empurrando a bicicleta com Joaquim ajudando a empurrar o remorque. 

Aline sumiu de vista. O vilarejo estava deserto, casas fechadas, vazio mesmo. Mais adiante um casal jovem tomando banho de sol, afinal o dia estava lindo! Mas não reagiram a nós passando e presumi que Aline tivesse falado com eles (eram estrangeiros e só falavam inglês e não esboçaram menor interesse em ajudar). Logo veio Aline descendo o morro, depois de uma curva, e disse que falou com um rapaz que poderia tentar nos ajudar. Ela disse que deu de cara com um lugar super convidativo e imaginou que num lugar assim haveria de ter uma boa alma... e que quando eu visse iria entender.

Seguimos mais um tanto, e algo mágico apareceu! Uma casa grande cujo muro da frente tinha expostos em todo o seu comprimento uma imensa coleção de bules esmaltados, de diversas cores e designs. Entre os bules, aqui e acolá, pequenas esculturas do art nouveau à Mickey Mouse. E na fachada do muro estavam dispostos diversos quadros, alguns impressos, outros pintados e outros bordados. Era ali. Fomos chegando e o rapaz saiu de dentro de uma cova. Vimos muito aqui na região, casas, vinícolas, bares (como aquele onde tomamos um vinho branco no final da tarde de ontem) cavados nas rochas. Ele saiu de dentro de uma cova destas que estava no quintal lateral da casa. E ele realmente sabia como trocar um pneu. Pegou o kit, desmontou a bicicleta (é tão fácil!!!), descobriu o furo, que foi já num reparo anterior. Comentei que ele sabia o que fazia e ele disse que não éramos os primeiros a parar ali pedindo ajuda por isso acabou pegando prática, embora não fosse seu trabalho.

Tudo certo, tudo arrumado, uma sensação enorme de alívio e felicidade! Perguntamos sobre os bules no muro, e ele disse que foi sua bisavó que começou a coleção e a família foi dando continuidade. E que até já fizeram uma matéria pro canal 3. Antes de sair, perguntei o nome dele: Ângelo. Hehehe... Disse a ele que foi nosso anjo naquele dia.

O muro de bules, quadros e bibelôs onde morava um anjo.


Olhamos o relógio e o sentimento de que ainda poderíamos chegar a tempo em Tours voltou. Mas precisaríamos de foco. Seguimos o caminho felizes e, passados mais alguns quilômetros, o mesmo pneu furou novamente! Estávamos numa zona urbana, mas daí pensamos que, tendo visto “o anjo” trabalhar, já aprendemos tudo. Desmontar o pneu foi fácil. Agora, tirar a câmera de dentro.... foi eu tentando, Aline, eu de novo, Aline de novo, os dois juntos, só um, mais outro... e o tempo passando. A estas alturas já estávamos nos convencendo de que poderíamos entregar as bicicletas no dia seguinte, pagaríamos uma diária extra se fosse o caso.

Bem, depois de uns 20 minutos tentando tirar a câmera do pneu, abordamos um casal de mais idade que passava. Eram holandeses e só falavam holandês. O cara sabia trocar pneu, embora bem menos ágil que Ângelo. Depois de tirar a câmera, ele fez um gesto pedindo algo e quando mostrei o kit de reparação, ele fez um gesto de desprezo e foi pra sua bicicleta – achei que estava indo embora. Daí pegou uma câmera nova, jogou pra mim e disse : “six euros”. Fazer o quê, né?

O cara suou bicas. Ele e a mulher conversavam sei-lá-o-quê em holandês, falavam com a gente como se entendêssemos, riam, e ele continuava a suar e a fazer o conserto. Enfim, novamente fomos salvos, agradecemos muito, nos despedimos e cada um foi pro seu lado. Ele disse que o pneu estava baixo, mas dali a uns 3 km teria um posto onde poderíamos encher mais.

Olhamos no relógio e eram 17h17. Ainda tínhamos cerca de 12 km pra percorrer. O sentimento de esperança voltou a reinar e pensamos ser possível percorrer isto em uma hora e meia. Se não furasse mais algum pneu. Se não houvesse muitos morros íngremes que precisaríamos subir empurrando as bicicletas, se não nos perdêssemos, se não surgissem outros imprevistos.


Mandamos ver no pedal. Ficamos de olho, mas nada de avistar o tal posto. Fui seguindo de pneu baixo, esperando que não houvesse problema com isso. A cada tanto, conferíamos para ver se o pneu ainda estava igual ou se estava esvaziando.

Avistei uma placa indicando 8 km até Tours. Era 17h44. O caminho seguia bem. Retomamos a margem do Loire, seguimos acreditando que chegaríamos a tempo. Passamos por outra placa que indicava 6 km. Olhei no relógio e era 17h50 - que rápido. Mais um tanto, avisto outra placa que indicava 6 km. Eita? Como assim? 6 km já era lá trás!

O Loire, a subida e alguns kms pela frente

Pegamos uma subida leve mais longa. Aline lembrou que precisávamos do endereço certinho. Na noite anterior mandamos e-mail pro Frank pedindo a ele que mandasse por SMS e não havia chegado nada. Depois da longa subida, paramos debaixo de uma ponte pois o sol não estava fraco. Era 18h06 e telefonei pro Frank. A ligação estava ruim (embaixo da ponte, né... aff...). Mas entendi que o endereço estava na fatura. Pedi mesmo assim que ele enviasse por SMS, afinal onde estaria a fatura? Em qual bolsa? Embaixo de qual coisa?

Uma placa indicava 2,5 km... mas qual era o ponto de registro dos 2,5 km? O centro, a estação de trem, que era nosso ponto de referência, ou a entrada da cidade? Logo começamos a entrar na zona urbana. Aline já tinha estudado o mapa antes em Chargé e tinha na cabeça mais ou menos ideia de direção. Nisto, sinal de entrada de SMS. Paramos, conferimos o nome da rua, olhamos o mapa e seguimos a toda.

Chegando a Tours margeando o rio Loire e logo ali o castelo de Tours.

Logo avistamos o castelo e fomos seguindo as placas do Loire à velo, que seguia pra onde acreditávamos que tínhamos que ir. Entramos no centro, passamos a enorme catedral , numa esquina perguntei onde era a estação de trem e logo chegamos. Conferimos o mapa. Era 18h26. Podíamos relaxar que chegaríamos antes das 19h, afinal, já estávamos bem perto. Seguimos na direção lida no mapa. Depois de mais uma pedaladas, conferimos novamente no Google maps e estávamos na direção errada!!! Jisuis Cristinho!

Conferimos, olhamos pra cá, pra lá, e tomamos rumo. Até que avistamos uma placa indicando a rua. Precisávamos ir ao número 35, estávamos no 4. Foi uma contagem casa a casa até vermos o 35! Chegamos!!!! Ebaaa!!!

Entrei na loja pra falar com o atendente e quem estava lá dentro? A Moça guerreira do remorque com as duas crianças. Dei um olá simpático, mas a cara da moça foi a mesma da subida do morro, nada amistosa.

O atendente não sabia do que se tratava quando expliquei que estávamos devolvendo as bikes. Disse que não eram bicicletas da rede deles e precisou dar uns telefonemas. Por fim, deu tudo certo.
Aline e Joaquim descarregaram a bagagem, ficando tudo ali no meio da calçada mesmo: mochilas, sacolas plásticas, de papel. E as salsichas? Realmente desapareceram. Permanece assim, o mistério das salsichas. Devem ter caído sem percebermos durante o percurso.

Sentamos os 3 exaustos, felizes, sorridentes, suados pra caramba, vencedores. Foram 34 km hoje, um total de 165 km em 5 dias. Nós, reles pessoas comuns, sedentários, ingênuos, despreparados. Nós, inspirados por alguns amigos e parentes bicicleteiros, por desconhecidos anônimos de diferentes nacionalidades pedalantes na França.

Foram cinco dias lindos, intensos, dos quais contamos as pequenas desgraças por as acharmos cheias de graça. Dois furos de pneu, um joelho e meio ralados, meia picada de vespa, vários caminhos errados, muitos atrasos, centenas de bonjours aos nossos colegas pedalantes, cinco camas maravilhosas, dezenas de litros de água. Paisagens incríveis, paisagens comuns: rio Loire, pontes, floresta, plantações de maçã, de milho, vinhas, de girassóis tristes, morros, covas, asfalto, pedras, areia. E nós.

...

Depois desse momento de idílio, de sentir o gostinho da conquista, seguimos para nosso hotel em Tours - Hotel Moderne - apesar do nome, é um hotel antigo que fica bem próximo à estação de trem, super bem localizado, em uma rua tranquila. Chegamos carregando as mochilas e sacolas que se multiplicaram nestes 5 dias. O quarto do hotel era super bom, espaçoso e com camas bem confortáveis.

Chegamos sedentos. Aline e Quim foram tomar banho enquanto fui buscar bebidas e um petisco. Não sobrou uma gota de água da viagem. Depois de beber, petiscar, banhar e descansar um pouco, saímos pra comer algo e fomos direto assistir ao espetáculo de projeções de imagens na fachada da catedral. Ao chegar na cidade, na corrida contra o tempo, passamos velozmente em frente à catedral, mas eu vi montada uma torre com projetores e nos explicaram na recepção do hotel que o espetáculo começava as 22h15. E quem vemos pela rua quando íamos para a catedral? A guerreira hispânica nada simpática com os dois meninos... rsrrs. Em frente à catedral, muita gente de todas as idades ali, conosco, sentados no chão.


Após a apresentação, fomos seguindo a multidão que se dispersava pelas ruelas estreitas em direção ao rio Loire. Revimos o castelo, discreto ali. Sobre o rio, diante de nós, uma ponte azul destinada a pedestres que nos atraía como as mariposas são atraídas pela luz. Seguimos pela ponte sem saber para onde ia. Debaixo de nós, nosso companheiro, o rio Loire. À esquerda, distante, uma ponte de pedra iluminada. Num instante, uma revoada de aves brilhava no céu cruzando um faixo de luz que lhes dava um brilho especial. Na longa ponte azul, em meio a escuridão, estávamos como no espaço sideral. Não havia pressa, não havia tempo, não havia espaço a ser percorrido, lugar algum para chegar. Apenas nós. Sentimento de realização. Amor. Felicidade.



Posfácio:
Segunda pela manhã nós ajeitamos as malas, tomamos o café no hotel e pegamos o trem rumo à Paris.

Esta aventura terminou. Mas começamos outra aventura: uma semana de carro pela Córsega. Viva o verão!

Vale do Loire di bicicleta - dia 04 de 05

·       Na manhã de hoje, acordamos e saí por Blois para comprar algo fresquinho numa boulangerie que tem logo aqui na esquina do hotel. Nossa localização é realmente muito boa, bem central mas longe do fervo.

Logicamente, para mim, sair de manhã  significaria dar uma voltinha pela cidade e fazer algumas fotos!... naquele horário em que a vida na cidade está começando, quando a luz é ideal...
Voltei para o hotel com muitas fotos e alguns artigos da boulangerie, tomamos nosso gostoso café da manhã na mesinha do quarto e foi adorável. Deu até pra fazer uns sanduíches pra viagem.


Ah, e o tornozelo de Joaquim picado pela vespa? Tudo normal, nem se via direito onde foi a picada, o que confirmou a tese de que matei o bicho antes que ele soltasse o ferrão e que o escândalo de Joaquim foi um tanto maior do que a dor da picada...

Ontem percebi que o freio traseiro de minha bicicleta não estava bom. Então antes de dormir, mandamos um e-mail pro Frank, o cara das bicicletas de Orleans, pedindo orientação. Ele indicou um local aqui em Blois (mas disse que se tivesse algo a pagar seria por nossa conta...). Visualizei o endereço no google maps e indicava ser perto, uns 4 minutos de bicicleta. Mas precisávamos deixar o quarto até às 11h, já eram 10h e queríamos dar uma volta para ver Blois de dia, subir até o castelo. Desci para conversar sobre o check out.

A senhora da recepção parece uma personagem de um filme. Deve ter uns 50 e tantos anos, já deve ter feito plástica, usa um corte de cabelo bem francês (o que isto quer dizer nem eu mesmo sei), parece muito séria e correta, sempre aparentava não gostar muito quando solicitávamos qualquer coisa dando aquelas típicas bufadinhas francesas, mas resolveu tudo o que precisávamos.

Por exemplo, antes de fechar a reserva, me assegurei por e-mail que eles teriam lugar pra guardar as bicicletas e o remorque. Depois de descarregarmos as coisas quando chegamos, ela nos deu a chave de uma porta na rua de baixo, onde deveríamos guardar as bicicletas. Não era uma garagem ou algo assim, era uma porta comum, que dava num quartinho. As duas bikes entraram, porém a porta um tanto estreita não permitia a entrada do remorque. Ficamos preocupados. Voltamos para falar com ela, já imaginando que teríamos que apelar para um parking, mas ela foi super prestativa e autorizou que colocássemos o remorque dentro do hotel, num espaço atrás da salinha de café, onde acho que faz parte de onde ela mora. Uma ginástica! Erguemos daqui, viramos ali, aperta, puxa e foi. Ufa, remorque guardado e seguro! O hotel em que estamos foi construído em 1490. Sua fachada dá bem esta indicação, embora dentro não aparente toda esta idade. Mas a altura de algumas portas segue um padrão de, digamos assim, portas do século XV, além de ser cheio de desníveis, escadinhas e cantinhos...

Bom, mas nesta manhã, mais uma vez disposta a resolver nossas questões, ela concordou que deixássemos as coisas no quarto um pouco mais e as bicicletas no depósito, mas havia uma questão: o remorque. O horário da recepção do hotel é das 7h às 11h, daí a senhora chaveia aquele lado do hotel, e retorna somente às 17h, ficando até às 21h. Por isto, na noite de ontem, ela havia nos passado um código da porta. Resolvemos então que eu iria com o remorque pra loja de bicicletas, pois a outra opção seria deixá-lo na rua.

O trajeto de bicicleta de 4 minutos levou algo em torno de uns 40 minutos, ou mais. Meu Jisuis Cristinho!! Pense numa cidade medieval em um morro: ruelas em curvas, subidas e descidas, algumas bem estreitas, nada segue uma lógica tipo: “perdi aquela entrada então vou pegar a próxima”. E assim fiquei indo e vindo pedalando no trânsito de carros e ciclovias. Até que desisti e resolvi cortar caminho a pé pela zona reservada a pedestres. No centro de Blois, existem muitas ruas de calçadão. Pois é, quando me vi, estava no meio da feira de sábado de manhã, feira que ocupa grande parte destas ruelas centrais. Eu, a bicicleta com o remorque (que é beeem chato e trabalhoso de dar ré pra fazer meia-volta), mais alguma dezenas de pessoas e feirantes, entre senhorinhas perfumadas centenárias com seus carrinhos de feira, senhores bonachões conversando com seus amigos risonhos e vários turistas distraídos. E eu lá no meio. Por fim, venci a multidão e saí. Analisei mais uma vez meu trajeto e fui pela rua principal. Quando me dei conta, estava de volta no mesmo ponto onde ia e vinha em várias direções, no centro do nó. Testei mais uma opção – uma grande subida, e era por ali. Cheguei bufando e suando em bicas.

Na loja um rapaz me atendeu, eu tinha lido na fachada o nome “Paulo Pereira” e pensei que seria legal resolver o lance do freio em português. Perguntei quem era “Paulo Pereira” e ele não tinha ideia de quem era. Perguntei se ele falava português e o rapaz disse que não. Ok, deixei pra lá minha abordagem simpaticona, e falei que o Frank tinha dito pra ir ali. Ele não sabia quem era o Frank. Fui explicar... por que, Jisuis Cristinho? Sabe quando uma comunicação começa nada a ver? Pois as 7 ou 8 primeiras falas e réplicas foram totalmente inúteis. Por que não ser objetivo nestas situações, não é?
Bem, indo ao assunto, fui mostrar na bicicleta que o freio não funcionava e... funcionou. É... a pessoa se não tem um problema inventa um só pra desperdiçar seu tempo de ir passear numa cidade bonita e medieval como Blois... Aff...

Bom o freio funcionava, mas a roda deslizava, eu não estava completamente louco e nem a bicicleta me sacaneando. Daí o rapaz disse que era assim mesmo, perguntei se o pneu não estava muito liso, ele disse que não. Em todos casos, apertou mais um pouco e foi isso. Não cobrou nada, ainda bem. Em cerca de 4 minutos eu estava de volta no hotel. Simples assim.

Na hora de sair para nossa caminhada, nos deparamos com a mesma questão do dia anterior: onde deixar o remorque? Já não tínhamos acesso ao espaço atrás da salinha de café, e continuava não entrando no quartinho das bicicletas... Resolvemos guardar minha bici de volta no depósito e prender o remorque num poste na rua mesmo - e ver no que ia dar. Prendi a trava na alça atrás, pois me parecia um local firme. Finalmente saímos pela cidade.




Passamos pela feira, subimos ao castelo, foto, fotos. Lembramos de quando estivemos ali em 2011, mas na ocasião já era final de dia e foi uma passagem rápida. Voltamos à feira e compramos algumas coisas gostosas pra um piquenique de almoço.



Entrada do Castelo


Ao chegarmos de volta, confesso que estava meio tenso de ter deixado o remorque na rua, mas estava lá. Quando fui soltá-lo, pra começar a carregar, observando bem, pensei que só não roubaram o remorque por que não quiseram, pois o tranquei numa parte que facilmente poderia ter sido solta pra liberar a trava de segurança. Ó Jisuis....

Antes de tomar o rumo do nosso próximo destino, paramos para um piquenique de almoço na margem em frente a Blois, com vista para a cidade. Ficamos uma horinha ali, curtindo o rio e a vista da cidade.




Nosso próximo destino era Chargé, próximo a Amboise. Pelo que vimos, o trajeto seria em linha reta, sem precisarmos nos afastar da rota La Loire à velo. O percurso até aqui foi bem, mas não tínhamos ainda encarado nenhum morro. O percurso do primeiro dia era completamente plano. Os demais também, com eventuais subidinhas e descidinhas, tudo leve. Mas hoje foi dia de descer e empurrar as bikes. Uma vez. Duas. Três... Daí também descobrimos que a “rainha” da rotas cicláveis usa meia furada, isto é,  “La Loire à velo” tem também trechos bem ruinzinhos, tipo subidona em trilha de areião, de pedrinhas safadas, coisas do tipo. Ok, é pra dar emoção.




No caminho, resolvemos visitar o castelo de Chaumont-sur-Loire. Lá eles tinham estacionamento de bicicletas e armários com chave onde pudemos deixar todas nossas coisas. Pegamos ingresso para visitar apenas o jardim e um festival de jardins de verão, além da exposições de arte contemporânea com instalações e esculturas em diversos pontos dos jardins e construções do castelo. Tudo realmente muito lindo! Flores, obras de arte interagindo com a natureza e as arquiteturas. Uma área enorme (e nem fomos conhecer dentro do castelo). Ficamos ali por mais de uma hora e meia, daí já começamos a ficar um pouco ansiosos, pois ainda tínhamos um bom tanto do percurso até a pousada.










Na saída, uma surpresa! Já era quase 19h, o sol começava a cair e logo ali na margem do Loire, vários balões começavam a ser inflados para o vôo do pôr-do-sol. Nós ali, só sorrindo e pensando: por que não temos mais uns 2.000,00 reais para estarmos nós num destes balões? Segunda vez no vale do Loire, segunda vez que o sonho de voar de balão é adiado.


Seguimos nosso caminho, ainda vendo os balões no céu por um bom tempo. Mais subida... eita, não precisava agora que ainda tínhamos uns 20km pela frente e o fim de tarde já começava (o que significa nesta época ainda umas 2h ou 2h30 de luz).

Seguindo, lá pelas tantas, Joaquim começou a gritar e espernear dentro do remorque, eu ali pedalando e a Aline mais atrás. Meio que por reflexo, freei pra ver o que estava acontecendo... hummm... erro meu! Joaquim acabou caindo para fora e ficando com as pernas embaixo do remorque. Agito geral, primeiro ver o estado da criança, um joelho e meio ralado de leve e tudo bem. Depois conferir o motivo da gritaria: um inseto... tudo bem que ainda havia o trauma da picada da vespa no ar, mas foi daquelas situações que você não sabe se está bravo, apavorado ou culpado. Por fim o diagnóstico: cansados. Retomamos o caminho, ainda alguns quilômetros para dar conta.

Já quase lá, num vilarejo chamado Mosnes, perdemos a indicação da plaquinha da rota. Quando vimos estávamos numa rodovia secundária (não passam caminhões, por exemplo) – mas também não tem acostamento. Já havíamos percorrido cerca de 2km quando nos convencemos que a rota não devia ser por ali. Em um recuo na estrada, conferimos os mapas e estávamos na direção certa, porém não na rota de bicicletas. Apareceu um tratorzinho e fui lá falar com o senhor que o guiava. Acredito que ele era um duende ou algo do tipo. Rosto bem enrugado do sol, com apenas um dente na boca, cabelo grisalho... era um duende sim. Ou então um agricultor da região. Descobrimos que no ponto em que paramos era exatamente uma subidona pra voltar à rota Loire à velo. Fizemos uma reunião de família (Aline e eu – pois Joaquim já dormia fazia mais de meia hora), estudamos o mapa, e concluímos que pela rodovia seria ainda no máximo 2 km, e pelo morro, além da subida, mais uns 3 ou 4km.

Lá fomos nós, pela rodovia. Pedalamos um pouquinho e logo mais ali na frente, começamos a ver várias casas e lojas de vinho que eram cavadas na rocha do morro. Achamos lindo ver parte da arquitetura construída se fundindo com a montanha (aquela que não quisemos subir). E já muito próximos de nossa hospedagem, vimos um lugarzinho tão convidativo que não resistimos! Paramos para conferir. De um lado da rua era o bar cavado na rocha e em frente, do outro lado da estrada e na margem do rio Loire, mesinhas, cadeiras, espreguiçadeiras, redes e pessoas sendo felizes e curtindo o final da tarde.  Ahhhhhhhhhhhhhhhh.... mas foi exatamente pra sermos surpreendidos por coisas como esta que viemos até aqui!! Paramos então para uma taça de vinho branco gelado e um prato de queijos na beira do Loire, em meio a franceses, com direito a testemunhar um pescador pegando um peixe que deixou toda galera efervescente, com direito a um pôr de sol rosado, à luzinhas acesas no crepúsculo – enquanto Joaquim dormia no remorque.




La vie en rose
Quando já estava praticamente escuro, retomamos o caminho. Mais uma pedaladas e chegamos. Foram mais 35 km hoje, da cidade de Blois até Chargé. 

Marlene nos esperava em sua casa de esquina, com três andares, construída em 1914. Ela nos mostrou as nossas instalações, acabamos ficando sozinhos em todo segundo andar. Nosso quarto na esquina, banheiro no meio e sala de banho com uma banheirona, no outro lado. Exaustos, tomamos um banho (meio frio, pois acabou a água quente... mas tudo bem, está fazendo bastante calor), jantamos umas salsichas e baguette que compramos no caminho e os restos do piquenique, aquele gostoso com as comidinhas da feira de Blois.

E assim findou nosso quarto e penúltimo dia de aventura!

Vale do Loire de bicicleta - dia 03 de 05

Na noite de ontem ficamos novamente em um Chambre d'hôte, de Bruno e Cristelle, em Tour-en-Sologne. Ele era mais simples que o anterior. Há um sistema de classificação deste tipo de hospedagem, assim como os hotéis e suas estrelas. Isto está ligado a certos confortos, como ter TV no quarto, piscina e sei lá mais o quê. O preço, evidentemente, também se diferencia.

Se na primeira noite estávamos dentro de uma pequena cidade, na segunda era quase uma região rural, mas tão próxima à cidade de Bracieux que pude ir caminhando noite passada, andar o centro todo da cidade procurando uma farmácia ou mercadinho pra comprar um desodorante (tudo fechado às 20h30 embora ainda fosse dia claro) e voltar pra casa - ida, circulada e volta em pouco mais de 30 minutos.

Mercado Velho em Bracieux - depois das 20h, apenas alguns restaurantes abertos.

Nesta segunda noite, acabamos ficando nos dois quartos que Bruno e Cristelle possuem, pois eles não tinham cama extra pra pôr em um quarto, assim nos dividimos. Mas tudo bem: o preço era o mesmo já pago. Ah, aliás, estas duas noites as reservas e pagamentos foram feitos pelo Airbnb, com a vantagem de além de pagar no cartão de crédito, conseguir parcelar em até 3 vezes. Em geral, em Chambres d'hôte, o pagamento é em espécie e diretamente com os hospedeiros.

Bem, assim como demos um nervoso em Elisabeth e Allan, na primeira noite, demorando pra chegar, na segunda noite também demos um nervoso em Cristelle e Bruno, mas por outro motivo. Deixamos as bicicletas do lado de fora da casa, numa área que não era possível ver da estrada. Considerando ser interior, a vida é bem mais sossegada quanto a roubos. Mas a gente de cidade grande se torna muito desconfiado. Então já era cerca de meia-noite quando resolvi ir colocar a tranca nas bicicletas. A casa já toda escura, os anfitriões dormiam, Aline e Quim dormiam em um quarto, e saí do meu pra me tranquilizar quanto as bicis. Eis que as bicicletas estavam justo na janela do quarto de nossos anfitriões. E, embora eu estivesse tentando agir quietinho, fui fazendo barulhos de ajeitar aqui, escorar ali, encaixar e tal, quando aparece Bruno na porta da rua, de cueca, sem camisa e todo assustado... Pois é, pois é... ele achou que estavam roubando as bicicletas e se apurou pra surpreender o ladrão... Além de muuito desolé, desolé (sinto muito, sinto muito), acabei por nem colocar a tranca, pois ele enfatizou que não era necessário.

Bem, isto era história pra postagem anterior. Mas como aconteceu depois que eu tinha escrito e publicado... tá aí.

O café da manhã também foi muito bom hoje. Baguetes fresquinhas, geléias da região, frutas. Comemos o máximo possível, pois nossos almoços não têm existido. Arrumamos as coisas, carregamos as bicicletas e fomos nos despedir e pegar ainda algumas informações com Bruno. Aproveitamos pra comprar também uma garrafa de suco de maçã produzido por um amigo deles. Eles mantém na sala de casa uma mesa com vários produtos da região. Embora ontem já tivéssemos passado no mercado e comprado itens pra um lanche de janta (e comprado também um suco de maçã), resolvemos provar. Está aí uma das coisas bacanas de circular pelo interior da França, experimentar os produtos de cada região.


Joaquim aproveitou pra brincar com os três cães queridíssmos nos jardins após o café, o que foi ótimo por que embora pensemos em alguma atividade pra ele todos os dias, é bom vê-lo interagir com outros seres que não apenas nós adultos, né?

Decidimos que hoje faríamos um trecho mais curto, indo direto a cidade de Blois, nosso local de pernoite. Isto significa que não perseguiríamos castelos como foi o caso de ontem, ao passarmos por Chambord. O castelo de Chiverny está há uns 8 km daqui de carro (cerca de 10 pela rota de bicicleta), mas isto implicaria em pedalarmos mais de 35 km hoje. E para cumprir nossas metas nos dois próximos dias, já teremos que pedalar um tanto assim. Indo direto para Blois, faríamos uns dez quilômetros a menos. ok, decidido.

No caminho de hoje, percorremos mais zona rural, passando por plantações, terras aradas, algumas casas rurais de pedra com seus celeiros e também por pequenos vilarejos com suas muitas casinhas e jardins floridos.

O tempo tem ajudado. Tem ficado encoberto parte do dia e outra parte sai o sol. Finais de tarde sempre ensolarados, ótimo pra fotos.



No caminho tinha um bode. Tinha um bode, no caminho.
Ao passarmos por um ponte, uns cavalos andando dentro do riacho.


Embora na região haja muitos castelos, ficou claro pra nós que nosso foco de viagem é pedalar. Inicialmente pensamos em perambular de bicicletas por aí, vendo castelos, mas a lógica do pedal é diferente do motor, pois cada 3 ou 4 km corresponde a um tanto de energia e um tantão a mais de tempo de circulação. Até cogitamos fazer visitas internas em alguns castelos, mas, sinceridade? Percebemos que não é o que temos vontade de fazer neste momento e nem saberíamos o que fazer com as bicicletas carregadas durante uma visita - também não nos esforçamos pra saber, rsrsrs... - estamos mais é querendo pedalar e nos surpreender com o que pode surgir depois de cada curva!

Como por exemplo hoje logo no início de nossa pedalada, quando saímos de Bracieux e, na rota pra Blois, nos deparamos com o Castelo Villesavin, que pode ser avistado da estrada. Além disso, esticamos um pedacinho dentro da propriedade, indo de bicicleta até onde é possível antes de iniciar a visita paga.
Castelo Villesavin

No acesso ao Castelo Villesavin

No caminho pra Blois, passamos por uma pequena cidade chamada Mont-près-Chambord. Quando a atravessávamos, vimos uma placa indicando um balneário. Resolvemos conferir. Chegando lá, vimos que se tratava de uma piscina pública (pagava 5 euros para entrar) que tinha um sistema de tratamento de água todo natural. Tínhamos andando quase 9 km, já era mais de 14h e pensamos que um banho de piscina era bem merecido. Pagamos, entramos, não havia muita gente, uns monitores de colônia de férias ou algo assim com um grupo de crianças, mais outras gentes e famílias, o suficiente pra dar credibilidade pra água e para não nos estressarmos durante a pausa rsrsrs. Água fria, pouco sol, foi ótimo para relaxar e aproveitar o verão daqui, né?


Fizemos um piquenique com o que sobrou do lanche da noite passada e ainda mordiscamos algumas maçãs que roubam... (ops) colhemos num pomar na beira da estrada, alguns quilômetros antes.

Macieiras carregadas por toda parte. A gente TINHA que colher algumas...

Tivemos um pouco de dificuldade pra sair da cidade. A "Loire à velo" é uma rota que possui em sua maior parte uma ciclovia. Existem várias outras rotas na região que também tem indicações por plaquinhas e que, eventualmente, tem ciclovias. Muitas vezes são rotas que utilizam caminhos já existentes (entre ciclovias, estradas compartilhadas, trilhas e estradinha secundárias). Mas a sinalização não é sempre muito clara. E tem rotas que são circulares, daí a atenção pra saber se está indo ou vindo. E algumas rotas se encontram, daí a gente pode estar vindo pela rota 8, que em algum ponto partilha um mesmo trecho com a rota 9, que por sua vez vai encontrar a "Loire à velo". Estamos entendendo melhor todo este sistema ao longo dos dias, e as conversas com nossos hospedeiros foram fundamentais pra isso.



Bem, depois de atravessar Mont-près-Chambord, concluir que estávamos fazendo o caminho de volta a Bracieux, atravessar toda Mont-près-Chambord de volta, pedir informação pra 3 pessoas diferentes, consultar o mapa em papel com as rotas e o google maps offline no celular, acabamos encontrando o rumo e seguindo viagem.

Por fim, acabamos voltando para a ciclovia "Loire à velo" (tipo a rainha de todas as rotas, sendo que ela além de margear o rio Loire tem uma extensão que passa pelo castelo de Chambord). Logo avistamos um grande cruzamento com viadutos e estradas em várias direções e claramente a indicação de Blois. É quase um choque após tanto silêncio e natureza.
Seguindo sempre por ciclovias, não demorou muito para avistarmos a bela cidade à margem do rio Loire, com uma linda vista de suas casas, torres e pontes.



Já quase na entrada da ponte que deveríamos atravessar pra entrar na cidade, achamos uma área super gostosa de piquenique e sentamos lá pra verificar o mapa e ver com maior clareza onde ficava nosso hotel. De fácil acesso, atravessamos a ponte, fomos pela rua central, subimos uma ladeira e voilà: Hotel du Bellay.


O hotel fica em uma casa construída em 1460, bem próximo ao centro histórico e ao castelo, já na parte mais alta da cidade. Ao fazer contato, me assegurei de haver local para deixar as bicicletas e o remorque, o que me foi garantido. A senhorinha da recepção nos deu uma chave e explicou onde deveríamos ir pra deixar as bicicletas. Mas eis que a salinha tinha uma porta estreita e o remorque não entrava de jeito nenhum. Voltamos, conversamos e acabamos conseguindo deixar o remorque num espaço ao lado da sala de café e recepção. Ufa!!!

Como chegamos cedo da pedalada de 25 km, tomamos um bom e merecido banho e saímos pra ver a cidade e comer algo, pois aquele piquenique no balneário foi bem fraquinho. Flanamos pela cidade e fomos tentando lembrar do que vimos e não vimos da visita de 2011. Fotos, muitas fotos, não lembrávamos de Blois ser tão bonita e agitada.
No prédio marrom fininho, na portinha de madeira, nossa garagem pras bicicletas.

Nesta rua principal, a ponte de entrada da cidade alinhada




Fome aumentando, começamos a sondar preços em restaurantes. Numa esquina adiante, avistamos um supermercado que fechava às 20h e já era 19h55. Bem, em Paris já nem nos deixariam entrar, mas conseguimos e nos agilizamos pra pegar itens pro café da manhã que optamos em não pagar no hotel (preço: 6 euros por pessoa - e tivemos a impressão de ser daqueles cafés da manhã típicos de hotéis da Europa, isto é, bem básicos e sem graça, tudo de pacotinho e potinho).

Com as compras na sacola, seguimos por uma das ruas de calçadão exclusiva pra pedestres, com vários restaurantes. Aline foi ver o cardápio na porta de um restaurante e eu e Quim indo ver outro quando ele começa a gritar muito e apontar pra perna: uma vespa asiática enorme grudada nele. Consegui matar o bicho, e Joaquim gritando muito, mas muito forte e dolorido. A impressão que tive foi que a rua toda estava apavorada... deveria estar. Logo um casal, com gêmeas num carrinho, veio ver se podia ajudar (Quim berrando). Ela era brasileira, ele francês com família em Blois. Só seria mais conveniente se fossem médicos, né? Ajudaram como podiam, conversando com Quim, pesquisando no celular vendo o que fazer nestes casos, emprestando o que tinham na bolsa (repelente...). Foram eles que identificaram o bicho e nos tranquilizaram dizendo que não era venenoso. Joaquim estava transtornado e chorou muito, mas concluímos que o insetão de 2 cm começou a picada porém não liberou o ferrão antes de morrer assassinado. Joaquim já estava até rindo quando decidimos seguir adiante pra comer algo. Aline foi dar mais uma olhada nas opções por perto e, fala sério, às vezes a vida parece um filme, como o encontro com esta família que nos ajudou e, vejam só, passando por ali naquela rua, Bruno e Cristelle, nossos hospedeiros! Trocamos saudações, conversamos um pouco sobre o ocorrido com Quim e lá foram eles jantar em Blois.

E nosso jantar? Tudo que vimos estava mais caro do que estávamos dispostos a pagar. Quim alternando crises de choro com descontração, nos levando quase a loucura. Acabamos parando num Kebab e, muito tensos, pedimos algo pra levar. Enquanto isso, conseguimos distraí-lo e comemos ali mesmo numa mesinha, nas embalagens de isopor. Eita jantarzinho especial, né?

(desta última parte não tem fotos, faltou clima para os registros, rsss...)

Joaquim voltou caminhando para o hotel e agora esta fazendo o que já queria fazer desde antes de sairmos pra flanar e procurar comida: assistir desenhos no tablet...

Havíamos planejado assistir um espetáculo de som e projeções de imagens na fachada do castelo, mas juntando o drama  vivido e o cansaço, desistimos. Está agora cada um numa telinha (todos dispensando a TV do quarto), todos largados e relaxados na cama em nosso quarto com janelas abertas com vista pra ruela da frente do nosso hotel que foi construído no século XV.