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Partiu Córsega!

Quanto mais o tempo passa, mais "decididos" estamos a não fazer loucuras do tipo emendar um destino no outro, passar dias infinitos perambulando por mil lugares diferentes, dormir uma noite em cada lugar do mundo, etc... só que não...
Quando nos damos conta, estamos fazendo exatamente isso. A essa altura, quase 20 anos desde o primeiro mochilão, meio que entendemos que este é nosso estilo de viajar. É o que nos faz feliz! E se é pra ser feliz, tá valendo!


ONDE MESMO FICA A CÓRSEGA?

Em julho e agosto de 2017 nós tivemos a oportunidade de passar 2 meses na França, num período de estudos em Paris. Antes de voltar ao Brasil, queríamos aproveitar para viajar um pouco mais. O que começou com a ideia de escolher um destino e fazer uma viagem tranquila acabou se tornando 3 viagens incríveis no período de pouco mais de duas semanas! A primeira etapa foi uma aventura de 5 dias pedalando às margens do rio Loire (relato AQUI), a segunda foi explorando a ilha da Córsega de carro durante 6 dias e, para fechar, mais 5 dias dirigindo pela Suiça e região da Alsácia na França.

Como chegamos a este roteiro? Primeiro, a viagem de bicicleta era um sonho antigo e de repente vimos que daria para aproveitar esta temporada para realizá-lo. Mas apenas alguns dias de bike é pouco, né? rssss... Queríamos fazer render, então começamos a pesquisar outros destinos. A Córsega, que até então nunca havia entrado em nossa lista de desejos e sobre a qual sabíamos apenas que era a terra de Napoleão Bonaparte, entrou na jogada quando encontramos vôos muito baratos para lá. Localizamos no mapa, pesquisamos fotos, lemos sobre o destino e pronto! Foi paixão a primeira vista! Porém, a volta da Córsega para Paris estava um absurdo de cara, então tivemos a ideia de combinar mais um destino a partir de onde fosse barato voltar a Paris e foi assim que Genebra, e a Suiça, entraram na jogada! Mas essa terceira etapa (e as supresas sobre o quanto o valor da passagem realmente valeu a pena) fica para outro post.


COMEÇANDO EM RITMO FRENÉTICO

Nossa viagem para a Córsega começou praticamente no dia em que finalizamos a viagem de bicicleta pelo Vale do Loire - 165 Km pedalados em 5 dias. Devolvemos as bikes de aluguel ao final de um dia e na manhã seguinte pegamos o trem de Tours a Paris. Lá seguimos para a casa de nossos amigos Lua e Hélio, onde previamente combinamos um pit stop para troca de bagagem. Acabamos optando por fazer esses trajetos de Uber (estação de trem - casa dos amigos - aeroporto), assim ganhamos tempo de conversa, de afeto, de respiro...

Chegamos na casa da Lua no início da tarde, aquele horário um pouco depois do almoço, quando parece que há uma calma silente no ar, o espírito da siesta propondo retomar o ritmo do dia... foi mágico. Lua, querida de tudo, nos esperou com uma comidinha delícia quando já estávamos conformados com um pacote de bolachas entre um trajeto e outro. Depois de uma ótima conversa e cafezinho, recuperamos o fôlego e partimos para a próxima aventura!


DIA 01 - CHEGANDO NA ILHA DA CÓRSEGA

Compramos vôos low cost para a Córsega (e de lá para Genebra e de Genebra para Paris) e foi tudo tranquilo, apesar da dificuldade em respeitar o tamanho e peso das bagagens permitidas, considerando que pegaríamos clima de praia, de montanha e de Suiça...
Chegamos em Ajaccio, capital da Córsega, à noite. Reservamos um carro no aeroporto e um hotel próximo, para começar a aventura no dia seguinte. Porém a aventura começou na hora de pegar o carro. Nosso reserva era de um carro básico mas na hora da retirada a locadora nos deu um upgrade! Foi literalmente uma aventura sair do estacionamento com um carro que rompia todos os (nossos) paradigmas básicos tipo: chave na ignição, freio de mão de alavanca, acionamento de luzes manual... que nada!! O carro era inteligente!!! Entre surpresa e empolgação, descobrindo os botões de acionamento, seguimos, e passamos seis dias nos surpreendendo com o bichinho!!! Eu queria colocar na mala e levar junto depois, rssss...

Quanto a hospedagem, pegamos um hotel entre o aeroporto e o centrinho de Ajaccio. Foi uma ótima opção para o que precisávamos, ou seja, um descanso de algumas horas antes de começar a aventura! Joaquim se divertiu com o design do quarto: a cama de casal e um beliche de solteiro em cima, perfeito para nós 3! Além do fato de o box com chuveiro ser direto no quarto e a pia logo ali em frente. Pensa numa coisa compacta e funcional! Depois de fazer o check in, mesmo cansados, nos animamos a dar uma volta e ver um pouquinho da cidade, comer alguma coisa, já que no dia seguinte partiríamos.




DIA 02 - BONIFACIO

Pesquisando sobre a Córsega, logo descobrimos Bonifacio como um destino imperdível. E é! Bonifacio fica no extremo sul da ilha, um vilarejo medieval construído sobre falésias. Porém ao montar o roteiro na Córsega, percebemos que seria uma boa ideia dar uma passada em Bonifacio para conhecer e pegar uma hospedagem mais adiante por dois motivos: queríamos explorar o máximo possível da ilha nos dias disponíveis e os preços de hospedagem em Bonifacio estavam entre os mais altos da ilha.

O caminho até Bonifacio foi surpreendente!! De tão lindo e de tanto que nos embrulhou o estômago! Era uma sucessão de curvas infinitas!!! Eram apenas 131 Km, mas nós levamos mais de três horas na estrada: paradas para apreciar a paisagem, paradas para respirar e passar o enjôo, paradas para fotografar... Neste sentido o GPS foi um companheirão, pois aquela sensação de "Ai meu Deus, quando é que isso vai acabar?!?!" já foi logo resolvida, só ia acabar quando chegássemos... E sabendo que o trajeto todo seria assim, tratamos de aproveitar ao máximo a vista, a paisagem e a experiência, apesar dos pesares.




E lá chegando sentimos que cada curva valeu a pena! O visual é incrível e a cidade convida a ser explorada por suas ruelas e praças. Nós penamos um pouquinho para encontrar um local para deixar o carro, o que pode ser um pouco desgastante quando já se vem de algumas horas de estrada, mas a dica é deixar em algum lugar fora do centro histórico e bater perna mesmo, pois essa é a melhor parte!






Sem planejar, nossa experiência se tornou um pouco mais "mágica" quando percebemos que havia uma procissão cruzando a cidade. Enquanto conhecíamos Bonifacio, aqui e acolá eventualmente éramos surpreendidos pelos fiéis em marcha.



A vontade era de ficar e curtir mais da cidade, mas o sol estava se pondo e ainda tínhamos um tanto de estrada para percorrer. Em nossos planos iniciais achamos que neste dia ainda daria para passar em Porto Vecchio, para caminhar e conhecer pelo menos um pouquinho. Mas juntando o adiantado da hora com o cansaço acumulado, achamos melhor tocar direto para nossa primeira hospedagem que já estava reservada em Sari-Solenzara. 


DIA 03 - SARI-SOLENZARA

Ao chegar em nossa hospedagem já era noite. Nós temos como princípio jamais chegar à noite nos destinos, porque é mais difícil de achar, porque estamos mais cansados, porque tá escuro, porque tudo parece mais difícil... E dessa vez não foi diferente... Pegamos um apartamento pelo AirBnb e nossa anfitriã nos encontrou num ponto marcado um pouco antes do endereço. Até aí tudo bem. Mas chegando no endereço, a primeira impressão não foi muito legal. O carro ficava num recuo na beira de uma estrada; o acesso até a casa era por um caminho escuro de pedras úmidas e escorregadias... Até que entramos no apartamento e lá dentro, ufa, era tudo conforme o esperado. Ok, pelo menos o apê era gostosinho... Mas no dia seguinte veio a surpresa boa!!! O lugar era incrível!!



Estávamos numa pequena "vila", ou condomínio, com algumas casas e uma área comum com piscina e playground, perfeito para curtir com Joaquim! Além disso, víamos o mar lá no horizonte! Nossa anfitriã explicou que dava para ir a pé bem tranquilo até a praia mais próxima, mas que essa não era a praia mais bonita da região. Ok, resolvemos conhecer para ver com o que estávamos lidando...



Rapidinho concluímos que se esta "não era a praia mais bonita", estávamos muito bem!! Chegamos caminhando numa praia de areia grossa que dava lugar a pedras conforme entrávamos no mar! Pedras pequenas e grandes, redondas, que não machucavam ao pisar. Entramos na água para explorar e descobrimos que alguns metros adiante voltava a ter areia no fundo... E é claro que entre pedras e areia e água do mar, muitos peixinhos nos fizeram companhia! Ficamos bem felizes por ter levado nosso óculos de natação e mergulho para poder observar essa vida intensa e colorida. Amamos a praia de Solenzara!

Sabíamos, pela nossa pesquisa prévia, essa região oferecia muitas opções de praias sensacionais. E nessa hora nos sentimos um pouco perdidos... pois é um tal de ler aqui e acolá que tal e tal opções são imperdíveis que a gente começa a se sentir um tanto pressionado... parece que seja qual for a nossa escolha, estaremos perdendo algo... Foi quando pensamos: "Pára tudo! Estamos em uma ilha no meio do Mediterrâneo. Um destino que nem sequer havíamos cogitado até aqui, então vamos tentar levar em conta o que a gente curte e tem vontade de fazer ao invés de nos guiarmos pelos roteiro 'IMPERDÍVEIS'...". E assim foi. Nós pegamos o carro e saímos explorando os arredores, paramos em algumas praias para espiar, sentir o clima, até que elegemos uma para curtir o "dolce far niente".

A escolhida foi a Plage de Canella, uma prainha super simpática e convidativa, com a água transparente e quase quentinha, o que constatamos ser uma característica das praias da Córsega. Fechamos o dia ali, curtindo o sol se pondo e a vida sendo bela!






DIA 04 - RIVA BELLA E SAINT FLORENT

Nós escolhemos (e o cronograma nos permitiu) conhecer a Córsega em uma semana. Apenas. Sempre é pouco tempo. Sempre descobrimos que precisava muito mais... principalmente quando o destino nos surpreende com sua geografia e inúmeras possibilidades. E foi o que aconteceu aqui: a ilha tem a versão praia, calor, mar incrível, clima de veraneio. Tem a versão naturista da praia de Riva Bella com toda a sensação de liberdade que este estilo de vida propõe. E tem a versão montanha, com friozinho, lareira e aconchego.
Sedentos por experimentar um pouco de tudo, partimos de Solenzara rumo ao extremo norte da ilha - Saint Florent - com parada em Riva Bella porque liberdade sempre faz bem!

Para quem curte o estilo de vida e filosofia naturista, Riva Bella é com certeza um destino incrível! Uma área imensa em meio a natureza preservada, com estrutura super bacana de hospedagem, restaurante, camping, spa e terapias naturais. São mais de 50 anos fazendo parte do movimento de naturismo na França. Se alguém quiser saber um pouco mais, aqui vai um link: Naturisme Riva Bella.

Nós fizemos uma parada para conhecer, caminhamos pela praia, curtimos um banho de mar delicioso e a vontade era de ficar alguns dias numa das cabanas super charmosas da praia, mas já tínhamos destino e hospedagem acertada para finalizar o dia. Assim seguimos para Saint Florent.

E lá chegando, cometemos um erro que, infelizmente já vivenciamos uma vez e pensamos ter aprendido a lição: "Jamais se aventure a entrar de carro numa cidade medieval!!". Quando nos demos conta, estávamos nas ruas estreitíssimas de Saint Florent, com o sufoco de tentar sair e muitos olhares tortos nos perguntando "o que vcs pensam que estão fazendo?!?". Foi uma chegada um tanto tumultuada, mas finalmente conseguimos sair do aperto (literalmente) e deixamos o carro num local apropriado para então conhecer a cidade do jeito que mais gostamos: a pé!


Esta foi uma das ruinhas estreitas por onde passamos de carro!

Depois de explorar a cidade e comer um sorvete delicioso, passamos num supermercado e seguimos para o hotel. Pegamos um quarto/apartamento com estrutura básica de cozinha e nossa janta e café da manhã foi por ali mesmo. Estávamos pertinho da piscina e na manhã seguinte fizemos uma preguiça no hotel antes de seguir adiante.



DIA 05 - CORTE 

Neste dia faríamos a transição do clima de praia para a montanha. Então paramos logo no início da jornada para um último banho de mar e decidimos percorrer o trajeto com muita calma para apreciar a paisagem incrível que a Ilha da Córsega proporciona.





Ah, uma observação importante, sabe aquele trajeto entre Ajaccio e Bonifacio que foi super cheio de curvas e enjôos no carro? Pois então, entre Porto Vecchio e um pouco antes de Saint Florent muda completamente, nós até comemoramos porque finalmente conseguimos usar a sexta marcha do carro! Sabíamos que a partir de Saint Florent as curvas voltariam, mas quando estamos preparados parece que fica mais fácil.

Neste dia nosso destino final era Bastelica, mas fizemos uma parada prolongada no caminho para conhecer Corte, situada na Alta Córsega (Haute Corse) e cenário da proclamação da independência da Córsega, conquista que durou pouco tempo, uma vez que a ilha sempre foi território de disputa entre França e Itália. Assim como toda a ilha, Corte é um lugar carregado de história, na parte mais alta da cidade fica a cidadela murada junto ao museu. Do alto de um Belvedere tivemos a chance de apreciar essa maravilha de monumento histórico, assim como a vista deslumbrante das montanhas.

Chegando lá, a primeira impressão de Corte já é linda! Uma cidadezinha incrustada na montanha...



Depois de caminhar e desbravar um tanto, nós sentamos numa fonte, na praça central para tomar um delicioso sorvete e recuperar o fôlego antes de pegar a estrada novamente. Lá vimos um prédio cravado de marcas de bala e descobrimos que aquela praça havia sido um dos tantos cenários de batalha pela independência da ilha. Essa questão da identidade Corsa e desejo de independência é muito presente em vários aspectos na ilha. Percebemos a forte influência italiana, mas a ilha "pertence" a França há mais de 240 anos.

Monumento a Pasquale Paoli, considerado "pai da pátria" por lutar pela liberdade do domínio genovês e francês na Ilha da Córsega. O prédio ao fundo é cravejado com marcas de balas das batalhas que ocorreram em Corte pela Independência. Não a toa, a cidade é tida como "a capital da Córsega independente".

De Corte para Bastelica foram cerca de 65Km, percorridos em uma hora e meia por conta das curvas na subida da serra. Nós chegamos lá no final da tarde e a mudança climática foi gritante! Ainda estávamos vestidos como saímos da praia e chegamos numa cidadezinha pequeninha de tudo, envolta em neblina e com a temperatura bem mais baixa. Muito frioooo!!! 

Nossa anfitriã nos passou o endereço e o contato de quem nos receberia. Mas apesar da "pequenez" da cidade, nós não conseguimos encontrar o endereço. Depois de trocar algumas mensagens, Ana, que cuidava do lugar onde nos hospedaríamos (um apê AirBnb) veio ao nosso encontro. E ela era portuguesa!!!! Foi o céu, uma pessoa que falava nossa língua nos resgatou! 


DIA 06 - BASTELICA

Porque escolhemos Bastelica, uma cidadezinha, ou melhor uma Comuna, onde vivem apenas 600 habitantes (e nós por dois dias), cravada no meio da ilha, no alto das montanhas para fechar nossos dias na Córsega? Explico: quando montamos o roteiro vimos que seria bacana fazer a volta na ilha, tão completa quanto fosse possível em 6 dias. Mas também queríamos evitar viagens muito longas, ou muitas horas de estrada durante esse período, assim elegemos alguns destinos principais e o último deveria ser perto de Ajaccio, de onde pegaríamos o vôo para Genebra. Junto a isso, quando Ismael estava pesquisando hospedagem encontrou um xuxuzinho de lugar em Bastelica. Pronto. Decidimos o destino por conta da hospedagem!



O apê (AirBnB) onde nos hospedamos foi eleito (por nós) o melhor até então!! Super charmosinho, bem decorado, espaçoso, com uma cozinha bem equipada e um conceito aberto com a sala e área de estar... foi perfeito para o descanso de dois dias que muito estávamos precisando.

Como que para reforçar o clima de repouso, pegamos uma chuvinha, pela primeira vez na ilha, nestes dias. Assim, enquanto chovia a gente se deliciava com o aconchego assistindo filmes, cozinhando e curtindo joguinhos de mesa em família... e quando a chuva dava uma trégua, saíamos para bater perna e explorar a petit village.




No último dia em Bastelica acordamos sem pressa, preparamos um café da manhã gostoso e preguiçoso e seguimos para o jardim para degustar uma última caneca de café curtindo a vista das montanhas... daqueles momentos que a gente quer guardar no coração para sempre. 


Depois deste momento zen, curtindo muito tudo, nosso plano foi seguir para Porticcio, último destino na Córsega.


DIA 07 - PORTICCIO

A escolha do último destino foi absolutamente de ordem prática: reservamos um hotel em Porticcio, próximo o bastante do aeroporto e numa localização que ainda nos proporcionaria bons momentos para a despedida da ilha. E assim foi. Antes de chegar, fizemos um pit stop para o adeus (ou até breve!) ao deliciosos mar da Córsega.



Ao chegar no hotel, percebemos se tratar de um local de veraneio, ou seja, ideal para ficar vários dias... Nossa reserva era de um apê equipado com cozinha e até tinha uma área gostosa ao ar livre... mas ficava longe da estrutura principal do hotel: restaurante, piscina, praia... Entenda-se este "longe" como uma distância que quem vai passar poucas horas no hotel não quer percorrer. Mas pra quem fica mais dias, acho que vale a pena! O hotel tinha uma estrutura bem bacana à beira-mar, com piscina, bar, restaurante, etc. Na verdade deu uma dorzinha no coração por não termos chance de aproveitar mais!

Ok. Já que tá que fique. Nos instalamos e seguimos para a praia para apreciar um pôr de sol mágico e cheio de significado que fechou essa semana incrível que vivemos descobrindo a ilha da Córsega!!





Vale do Loire de bicicleta - dia 05 de 05

A ideia hoje era acordar mais cedo que de costume, queríamos chegar cedo em nosso destino final. Mas exceto para mim, o sono rolava solto no quarto e Aline e Quim estavam dormindo muito bem. Acordar mais cedo, durante estes dias de pedalada, significa antes das 9h, pois apesar do cansaço depois de completarmos nossos quilômetros diários, temos ido dormir por volta da meia-noite, ou até depois. Finalmente acordamos todos e, à luz do dia, pudemos ver melhor pela varanda e pela janela do quarto a vila onde estamos. É um lugar super calmo, pequeno e pitoresco.


À noite fez calor, mas a manhã se revelou fresquinha e prometia um dia lindo. Nestes dias de pedalada, o clima tem sido ótimo. Superou nossas expectativas que não eram muito otimistas, visto o volume e peso extra que carregamos com blusas, casacos e capas de chuva, rsrsrs... Mas temos em nossa defesa que as semanas que antecederam este passeio estava um tempo bem feinho, com ondas de frio, chuvas eventuais, dias nublados ou de vento. Por isso adoramos ser surpreendidos, o clima não podia ter sido melhor!

A casa em que ficamos, de Marlene e Martin, é bem casa de família. Em geral, nos Chambres d’hôte em que já nos hospedamos, quem vive na casa são casais de mais idade, acreditamos que geralmente aposentados e com os filhos já crescidos e morando fora. Aqui eles vivem com um filho adolescente e uma filha de uns 9 anos talvez. Foi um pequeno diferencial, mas não mudou muita coisa, pois nossa estadia foi rápida. Marlene e Martin foram muito atenciosos e simpáticos conosco, batemos um bom papo sobre a região, sobre nossa viagem, sobre o Brasil. Martin também falou sobre a vila, como ela foi ponto estratégico durante a guerra, limite entre a zona livre e a zona ocupada pelos alemães e, por isso, ponto de articulação pra retomada do país.
Nosso quarto era o da esquina, com janela pra uma rua e varanda pra outra. Martin na foto.

Nos despedimos, e já saindo, Marlene lembrou de nossa sobra da janta: meia baguete e um pacotinho com três salsichas. Ontem, na saída de Chaumont, foi o que conseguimos comprar pra poder ter uma janta ao chegarmos em Chargé. Na verdade nós meio que  “esquecemos” as salsichas por que não queríamos mesmo levar. Mas tudo bem, "ensacola as salsichas!", rsss...

Eles nos orientaram sobre o caminho Loire à velo, e disseram que sim, teríamos que subir morros para continuar, e que o caminho do dia anterior também deveria ter sido morro a cima (perdemos a indicação das placas em algum momento, mas nosso erro resultou naquele mágico fim de tarde na margem do rio Loire, então está valendo!). Lá fomos nós, partimos às 10h30, o horário mais cedo comparado aos dias anteriores. Nossa preocupação com a hora pra chegar a Tours neste último dia de pedalada era porque tínhamos um intervalo bem apertado de tempo para devolver as bicicletas: entre 18h e 19h.

Já nos primeiros quilômetros encontramos o morrão. Passamos por uma mulher neste ponto, ela pedalava sozinha, puxando um remorque com DUAS crianças dentro. Uma guerreira que conseguiu seguir pedalando até mais do que eu, se espremendo nas pedaladas derradeiras.


A região é repleta de vinícolas e as plantações de uva ficam nestas partes mais elevadas, pequenos planaltos. Vimos muitas vinhas e numa delas pegamos uns cachos pra provar. Uvas pequenas, muito muuito suculentas. Como disse Joaquim: era suco de caixinha natural (olha a referência da criança...)


Em 5 km já estávamos em Amboise, onde fica um castelo lindo e o túmulo de Leonardo da Vinci. Já havíamos visitado em 2011, então optamos em visitar o Clos Lucé, o castelo onde Da Vinci viveu seus últimos anos. Além da residência, há um grande jardim e várias invenções de Da Vinci reproduzidas. Um lugar super bacana mas que bem podia ser mais barato: 15,50 euros por adulto e 11 euros pra Joaquim! Na bilheteria, antes de mim, vi a senhora atendendo uns alemães em alemão. Quando me atendeu, perguntei quais idiomas ela falava: francês, alemão, inglês, espanhol, húngaro - e estava começando a aprender português. E é vendedora de ingressos de castelo! Sabe a pessoa que parece feliz com o que faz?



Como gastamos pouco com visitas a castelos nestes dias, achamos que valeria o investimento. Fizemos um passeio maravilhoso dentro e fora do castelo. Com tempo, aproveitando o tempo, vivendo fora do tempo. O dia lindo ajudou muito e, sendo domingo, creio que tinha muitos franceses também aproveitando o dia. Joaquim viu no mapa dos jardins que tinha um parquinho e logicamente fomos para lá. Ele nem ficou muito tempo, mas foi fundamental ter ido.

Joaquim brincando com uma versão de helicóptero do Da Vinci

Reproduções de pinturas e desenhos de Da Vinci pelo jardim

Dentro dos jardins também encontramos três restaurantes e resolvemos sentar no mais lindo pra comer algo antes de seguir caminho. Os preços? Regulam com os de Paris, o que significa para nós escolher entre as opções mais modestas do cardápio. Ainda assim foi mágico sentar ali entre o roseiral, os guarda-sóis brancos, a atendente hiper simpática...

Um dos restaurantes...

Nosso restaurante rsrsrs

Uma omelete e acompanhada de cerveja artesanal "Leonard"

Assim como em Chaumont, pudemos deixar as bicicletas num estacionamento próprio já dentro da área do castelo e a bagagem em armários. Pensando bem, em outros castelos que já fomos sempre tem estes armários. Lembro que em Fontainebleau havia uns enormes.

Em Amboise ainda passamos por dentro da cidade, aos pés do castelo que fica no alto. Passamos pela rua central empurrando as bicicletas, pois ela é linda e valia a pena. Também estávamos procurando pelo Office de Tourisme, pra pegar um mapa da região. De Orleans a Tours, passamos por três departamentos (estados) diferentes e cada um dos Offices de Tourisme tem um mapa apenas de sua região. Ali aproveitamos pra encher nossas garrafas de água e descobrimos que até Tours ainda tínhamos 27 km pra percorrer. Eram 15h05. Bora pedalar!!

Aline e o castelo de Amboise

Uma passadinha pelo calçadão central de Amboise... lindo!


Andamos mais uns 7 km, e numa subidinha, nem tão pesada assim, meu pneu traseiro furou. Estávamos entrando numa vila que depois descobrimos se chamar Lussaut. Bem onde furou, haviam dois rapazes e uma moça saindo de casa de carro e perguntamos se eles sabiam onde arrumar pneu de bicicleta. Disseram que não havia na vila e nem deram muito papo. Entendemos que deles não viria ajuda. Decidimos que Aline iria pedalando na frente, procurando algum lugar ou alguém que pudesse ajudar. Apesar de termos um kit de reparação e uma bomba... como é que se faz isso? Nem desmontar o pneu a gente sabia. Fui empurrando a bicicleta com Joaquim ajudando a empurrar o remorque. 

Aline sumiu de vista. O vilarejo estava deserto, casas fechadas, vazio mesmo. Mais adiante um casal jovem tomando banho de sol, afinal o dia estava lindo! Mas não reagiram a nós passando e presumi que Aline tivesse falado com eles (eram estrangeiros e só falavam inglês e não esboçaram menor interesse em ajudar). Logo veio Aline descendo o morro, depois de uma curva, e disse que falou com um rapaz que poderia tentar nos ajudar. Ela disse que deu de cara com um lugar super convidativo e imaginou que num lugar assim haveria de ter uma boa alma... e que quando eu visse iria entender.

Seguimos mais um tanto, e algo mágico apareceu! Uma casa grande cujo muro da frente tinha expostos em todo o seu comprimento uma imensa coleção de bules esmaltados, de diversas cores e designs. Entre os bules, aqui e acolá, pequenas esculturas do art nouveau à Mickey Mouse. E na fachada do muro estavam dispostos diversos quadros, alguns impressos, outros pintados e outros bordados. Era ali. Fomos chegando e o rapaz saiu de dentro de uma cova. Vimos muito aqui na região, casas, vinícolas, bares (como aquele onde tomamos um vinho branco no final da tarde de ontem) cavados nas rochas. Ele saiu de dentro de uma cova destas que estava no quintal lateral da casa. E ele realmente sabia como trocar um pneu. Pegou o kit, desmontou a bicicleta (é tão fácil!!!), descobriu o furo, que foi já num reparo anterior. Comentei que ele sabia o que fazia e ele disse que não éramos os primeiros a parar ali pedindo ajuda por isso acabou pegando prática, embora não fosse seu trabalho.

Tudo certo, tudo arrumado, uma sensação enorme de alívio e felicidade! Perguntamos sobre os bules no muro, e ele disse que foi sua bisavó que começou a coleção e a família foi dando continuidade. E que até já fizeram uma matéria pro canal 3. Antes de sair, perguntei o nome dele: Ângelo. Hehehe... Disse a ele que foi nosso anjo naquele dia.

O muro de bules, quadros e bibelôs onde morava um anjo.


Olhamos o relógio e o sentimento de que ainda poderíamos chegar a tempo em Tours voltou. Mas precisaríamos de foco. Seguimos o caminho felizes e, passados mais alguns quilômetros, o mesmo pneu furou novamente! Estávamos numa zona urbana, mas daí pensamos que, tendo visto “o anjo” trabalhar, já aprendemos tudo. Desmontar o pneu foi fácil. Agora, tirar a câmera de dentro.... foi eu tentando, Aline, eu de novo, Aline de novo, os dois juntos, só um, mais outro... e o tempo passando. A estas alturas já estávamos nos convencendo de que poderíamos entregar as bicicletas no dia seguinte, pagaríamos uma diária extra se fosse o caso.

Bem, depois de uns 20 minutos tentando tirar a câmera do pneu, abordamos um casal de mais idade que passava. Eram holandeses e só falavam holandês. O cara sabia trocar pneu, embora bem menos ágil que Ângelo. Depois de tirar a câmera, ele fez um gesto pedindo algo e quando mostrei o kit de reparação, ele fez um gesto de desprezo e foi pra sua bicicleta – achei que estava indo embora. Daí pegou uma câmera nova, jogou pra mim e disse : “six euros”. Fazer o quê, né?

O cara suou bicas. Ele e a mulher conversavam sei-lá-o-quê em holandês, falavam com a gente como se entendêssemos, riam, e ele continuava a suar e a fazer o conserto. Enfim, novamente fomos salvos, agradecemos muito, nos despedimos e cada um foi pro seu lado. Ele disse que o pneu estava baixo, mas dali a uns 3 km teria um posto onde poderíamos encher mais.

Olhamos no relógio e eram 17h17. Ainda tínhamos cerca de 12 km pra percorrer. O sentimento de esperança voltou a reinar e pensamos ser possível percorrer isto em uma hora e meia. Se não furasse mais algum pneu. Se não houvesse muitos morros íngremes que precisaríamos subir empurrando as bicicletas, se não nos perdêssemos, se não surgissem outros imprevistos.


Mandamos ver no pedal. Ficamos de olho, mas nada de avistar o tal posto. Fui seguindo de pneu baixo, esperando que não houvesse problema com isso. A cada tanto, conferíamos para ver se o pneu ainda estava igual ou se estava esvaziando.

Avistei uma placa indicando 8 km até Tours. Era 17h44. O caminho seguia bem. Retomamos a margem do Loire, seguimos acreditando que chegaríamos a tempo. Passamos por outra placa que indicava 6 km. Olhei no relógio e era 17h50 - que rápido. Mais um tanto, avisto outra placa que indicava 6 km. Eita? Como assim? 6 km já era lá trás!

O Loire, a subida e alguns kms pela frente

Pegamos uma subida leve mais longa. Aline lembrou que precisávamos do endereço certinho. Na noite anterior mandamos e-mail pro Frank pedindo a ele que mandasse por SMS e não havia chegado nada. Depois da longa subida, paramos debaixo de uma ponte pois o sol não estava fraco. Era 18h06 e telefonei pro Frank. A ligação estava ruim (embaixo da ponte, né... aff...). Mas entendi que o endereço estava na fatura. Pedi mesmo assim que ele enviasse por SMS, afinal onde estaria a fatura? Em qual bolsa? Embaixo de qual coisa?

Uma placa indicava 2,5 km... mas qual era o ponto de registro dos 2,5 km? O centro, a estação de trem, que era nosso ponto de referência, ou a entrada da cidade? Logo começamos a entrar na zona urbana. Aline já tinha estudado o mapa antes em Chargé e tinha na cabeça mais ou menos ideia de direção. Nisto, sinal de entrada de SMS. Paramos, conferimos o nome da rua, olhamos o mapa e seguimos a toda.

Chegando a Tours margeando o rio Loire e logo ali o castelo de Tours.

Logo avistamos o castelo e fomos seguindo as placas do Loire à velo, que seguia pra onde acreditávamos que tínhamos que ir. Entramos no centro, passamos a enorme catedral , numa esquina perguntei onde era a estação de trem e logo chegamos. Conferimos o mapa. Era 18h26. Podíamos relaxar que chegaríamos antes das 19h, afinal, já estávamos bem perto. Seguimos na direção lida no mapa. Depois de mais uma pedaladas, conferimos novamente no Google maps e estávamos na direção errada!!! Jisuis Cristinho!

Conferimos, olhamos pra cá, pra lá, e tomamos rumo. Até que avistamos uma placa indicando a rua. Precisávamos ir ao número 35, estávamos no 4. Foi uma contagem casa a casa até vermos o 35! Chegamos!!!! Ebaaa!!!

Entrei na loja pra falar com o atendente e quem estava lá dentro? A Moça guerreira do remorque com as duas crianças. Dei um olá simpático, mas a cara da moça foi a mesma da subida do morro, nada amistosa.

O atendente não sabia do que se tratava quando expliquei que estávamos devolvendo as bikes. Disse que não eram bicicletas da rede deles e precisou dar uns telefonemas. Por fim, deu tudo certo.
Aline e Joaquim descarregaram a bagagem, ficando tudo ali no meio da calçada mesmo: mochilas, sacolas plásticas, de papel. E as salsichas? Realmente desapareceram. Permanece assim, o mistério das salsichas. Devem ter caído sem percebermos durante o percurso.

Sentamos os 3 exaustos, felizes, sorridentes, suados pra caramba, vencedores. Foram 34 km hoje, um total de 165 km em 5 dias. Nós, reles pessoas comuns, sedentários, ingênuos, despreparados. Nós, inspirados por alguns amigos e parentes bicicleteiros, por desconhecidos anônimos de diferentes nacionalidades pedalantes na França.

Foram cinco dias lindos, intensos, dos quais contamos as pequenas desgraças por as acharmos cheias de graça. Dois furos de pneu, um joelho e meio ralados, meia picada de vespa, vários caminhos errados, muitos atrasos, centenas de bonjours aos nossos colegas pedalantes, cinco camas maravilhosas, dezenas de litros de água. Paisagens incríveis, paisagens comuns: rio Loire, pontes, floresta, plantações de maçã, de milho, vinhas, de girassóis tristes, morros, covas, asfalto, pedras, areia. E nós.

...

Depois desse momento de idílio, de sentir o gostinho da conquista, seguimos para nosso hotel em Tours - Hotel Moderne - apesar do nome, é um hotel antigo que fica bem próximo à estação de trem, super bem localizado, em uma rua tranquila. Chegamos carregando as mochilas e sacolas que se multiplicaram nestes 5 dias. O quarto do hotel era super bom, espaçoso e com camas bem confortáveis.

Chegamos sedentos. Aline e Quim foram tomar banho enquanto fui buscar bebidas e um petisco. Não sobrou uma gota de água da viagem. Depois de beber, petiscar, banhar e descansar um pouco, saímos pra comer algo e fomos direto assistir ao espetáculo de projeções de imagens na fachada da catedral. Ao chegar na cidade, na corrida contra o tempo, passamos velozmente em frente à catedral, mas eu vi montada uma torre com projetores e nos explicaram na recepção do hotel que o espetáculo começava as 22h15. E quem vemos pela rua quando íamos para a catedral? A guerreira hispânica nada simpática com os dois meninos... rsrrs. Em frente à catedral, muita gente de todas as idades ali, conosco, sentados no chão.


Após a apresentação, fomos seguindo a multidão que se dispersava pelas ruelas estreitas em direção ao rio Loire. Revimos o castelo, discreto ali. Sobre o rio, diante de nós, uma ponte azul destinada a pedestres que nos atraía como as mariposas são atraídas pela luz. Seguimos pela ponte sem saber para onde ia. Debaixo de nós, nosso companheiro, o rio Loire. À esquerda, distante, uma ponte de pedra iluminada. Num instante, uma revoada de aves brilhava no céu cruzando um faixo de luz que lhes dava um brilho especial. Na longa ponte azul, em meio a escuridão, estávamos como no espaço sideral. Não havia pressa, não havia tempo, não havia espaço a ser percorrido, lugar algum para chegar. Apenas nós. Sentimento de realização. Amor. Felicidade.



Posfácio:
Segunda pela manhã nós ajeitamos as malas, tomamos o café no hotel e pegamos o trem rumo à Paris.

Esta aventura terminou. Mas começamos outra aventura: uma semana de carro pela Córsega. Viva o verão!